Pequenos Delitos, Grandes Problemas

A maior parte de nós é formada por pessoas do bem. Somos incapazes de cometer grandes infrações ou de prejudicar alguém conscientemente. Como diz uma música do Lulu Santos, não desejamos mal a quase ninguém. A grande maioria das pessoas não se sentiria capaz de tirar a vida de um outro ser humano, salvo em circunstâncias extremas. Não cometeria assaltos à mão armada, não usaria a violência para se satisfazer sexualmente, não traficaria drogas ou armas. A maior parte dos brasileiros acredita em Deus e que fazer o bem é meio para melhorar a sua própria vida. Temos os intermináveis escândalos políticos, mas ainda assim, a maioria ainda acredita que no meio deles, alguém pode ser diferente. Pensamos que nós mesmos, se estivéssemos lá, não nos deixaríamos corromper. Enfim, somos pessoas do bem e gostamos de ser assim.

No entanto, se não cometemos grandes males, tendemos a pensar que os pequenos não são tão importantes, afinal somos humanos. Fazer uma pequena fofoca? Furar um fila? Dar uma gorjeta para o policial não multar? Debitar para a empresa uma nota de despesa que poderia ser evitada? Dirigir após vários copos de cerveja? Jogar papel na rua? Dirigir em velocidade superior a permitida e reduzir na frente do pardal? Comprar ou vender sem nota fiscal para economizar o imposto? Esquecer de pagar pequenas dívidas pessoais? Fazer uso do cargo para benefícios pessoais? Pequenas e eventuais “puladas de cerca”? Mentiras inocentes? Sair da mesa na hora de dividir a conta? Não, nem todos nós fazemos todas estas coisas. Talvez uma ou outra, talvez nem sempre. Talvez só um pouquinho.

É dos pequenos delitos que se começa. São eles que favorecem a cultura do todo mundo faz e de que ninguém é culpado, porque todos são culpados. Pequenos delitos, grandes problemas. Infelizmente, não sentimos assim. Mesmo que não cometamos nenhum deles acima, há mais um, que não pode ser considerado pequeno, a omissão. Ela vem acompanhada do comodismo e de certa frouxidão moral, onde os fins justificam os meios. Somos um país em que o presidente admite o caixa 2 de seu partido, com a alegação de que todos o fazem. Tudo bem, diz o senso comum. Algumas empresas também fazem caixa 2, alguns maridos e algumas mulheres também. É possível que até mesmo algumas igrejas o façam, com as melhores das intenções. Tudo bem com isto, tudo bem com aquilo e vamos seguindo a nossa vida. Faz lembrar uma outra música, onde Belchior canta: “tudo é permitido, até beijar você no escuro do cinema onde ninguém nos vê”.