Tudo que merece ser feito, merece ser bem feito

É o que sempre me vem a cabeça quando alguém que dou carona diz que posso deixá-lo no meio do caminho mesmo, o que, em geral, não concordo. Também lembro da frase quando vejo um trabalho feito sem capricho ou quando presencio um destes atendimentos secos e impessoais, em boa parte dos prestadores de serviços. Era uma frase que era dita com frequência pelo meu pai, que justamente quando escrevo, está completando aniversário de falecimento. Na verdade, ele continua muito vivo, mesmo depois de dezesseis anos. Uma das importantes lições que ele nos deixou foi esta, o que no fundo se traduz em colocar espírito no que se faz, em fazer as coisas com qualidade, em valorizar o ser útil. Ao contrário de mim, meu pai nunca tinha pressa. Ele parecia desfrutar o momento (bem na linha do movimento slowly, hoje com muitos seguidores em todo o mundo). Isto às vezes, irritava a nós da família (minha mãe e irmãos), mas ele não se abalava. Seguia o seu ritmo. Tinha naturalmente um espírito de servir, de ser útil, de aproveitar as oportunidades para conquistar uma pessoa. Não o fazia por utilitarismo, escolhendo fazer para quem pudesse lhe dar algum tipo de retorno, que é o mais comum. Mesmo sendo um profissional de vendas, não tinha esta relação mercantilista com as pessoas, inclusive com os clientes. Por isto, transmitia sinceridade. Isto o fazia ter resultados sempre de destaque, de maneira crescente e consistente. Pelo que ouvira de minha mãe, nem sempre fora assim. Tendo vindo de Portugal, trabalhou um tempo na embaixada do seu país, para depois se tornar um bem sucedido empresário em importações e exportações. Era orgulhoso e distante das pessoas, despertando um certo medo em alguns funcionários. Mudanças na legislação (início dos anos 60) e um golpe sofrido de um sócio, que roubou a empresa, fizeram com que ele perdesse tudo, tendo ficado desempregado e com muitas dívidas. Tinha cerca de quarenta e cinco anos e era difícil recomeçar. Chegou a pensar em suicídio, tão grande era o sofrimento e a vergonha. Após um bom tempo e com uma boa sacudidela da minha mãe, renasceu. Recomeçou de baixo, como propagandista de laboratório farmacêutico, iniciando a partir daí, uma nova carreira. Desenvolveu uma nova personalidade e tornou-se verdadeiramente um mestre. Tudo que merece ser feito, merece ser bem feito, era um de seus lemas preferidos. Praticava no trabalho, na família e na vida. Seria muito bom que esta também fosse a tônica dos prestadores de serviços no trato com os seus clientes. Há um excesso de regras, de formas planejadas, mas falta, na maioria das vezes, espírito de servir, de ser útil, de fazer as coisas com qualidade. Infelizmente, é o que também acontece nas relações entre os departamentos de uma mesma empresa, e mesmo entre as pessoas. Meu pai continua vivo e eu continuo a aprender com ele.

(Maio, 2012)