Desemprego: Sem óculos azuis, mas sem óculos negros

Estar desempregado não é uma questão de se sentir como tal. É um fato que atinge 11 milhões de brasileiros, atingindo com mais intensidade os jovens e os de maior escolaridade. No segmento de executivos, ultrapassa ao índice de 20%. Sabemos que a questão do desemprego é muito mais do que dados estatísticos. O desemprego, mesmo individualmente, pode representar um mal social. Com frequência, ele provoca destruição de famílias, distanciamento de convívios diários de longa data, e até perda de identidade, pela extinção do sobrenome da empresa, muitas vezes incorporado ao próprio nome (fulano da empresa x). Mais ainda do que isso, o desemprego costuma gerar um forte abalo na autoestima e uma paralização involuntária, do tipo, e agora? O que fazer? E amanhã de manhã? Como ocupar o tempo repentinamente disponibilizado?

Há os problemas práticos, como as contas do mês, mas em boa parte das vezes, eles ainda não são reais no curtíssimo prazo. Ocorrerão de fato, se a situação se prolongar. No entanto, isto não impede que o sofrimento ocorra desde já, e o monstro parece ainda maior, pela antecipação das preocupações.

Tendo tido a experiência do desemprego por duas vezes na minha vida profissional, na época, com duas filhas pequenas, senti na pele este furacão de emoções. Com o tempo pude perceber que estes momentos foram muito mais do que isso, tendo se transformado em uma das fases de aprendizado mais importantes que tive na vida.

Não quero fazer uso de imagens simplistas e frases de autoengano, como colocar os óculos azuis para que tudo se transforme. Sabemos que não é assim. Mas sabemos também que a maneira com que lidamos com a situação faz toda a diferença. É maduro fugir dos óculos azuis, mas também dos óculos negros.

Para começar, ninguém é pior do que antes, por estar agora sem emprego, não cabendo a perda da autoestima. Não há também tempo sobrando. Depois de um primeiro momento, necessário para descompressão, que pode ser considerado com umas pequenas férias forçadas, há muito o que fazer. Não há espaço para acordar tarde, fazer exercícios no meio do dia, passar o dia de pijama barbado ou assumir novos afazeres em casa. Há muito trabalho a ser feito, dentre eles, buscar trabalho.

É momento de união da família e da elaboração de um plano de ação, projetado em uma agenda semanal que ocupe o que corresponderia ao horário pleno do trabalho anterior. Neles devem estar incluídos contatos físicos e remotos, pesquisa de oportunidades, preenchimentos de lacunas de formação pessoal, análise de outras alternativas de trabalho (Prestar serviços? Empreender? Investir em uma franquia? Buscar uma nova carreira?). É preciso refazer o orçamento financeiro, cortar despesas, adotar novos hábitos em casa, considerar a futura venda de algum patrimônio.

Deve ainda incluir algum tempo para cuidar da espiritualidade e da saúde mental, sendo útil para outras pessoas ou por causas que valham a pena ser defendidas, que toquem o seu coração e que façam brilhar os seus olhos.

O desemprego é assim, um momento de plantio, de muita intensidade, de grande energia e de pleno trabalho.

Estar desempregado é um fato, mas é possível não se sentir desempregado, mas numa fase de transição profissional, quem sabe para voos muito mais altos e melhores. Sem óculos azuis, mas sem óculos negros.
 

 

Julio Sampaio é diretor da Resultado Consultoria de Marketing e Vendas.

Juliosampaio@consultoriaresultado.com.br