Oportunidades da era digital, o Estado e a Igreja

 Para os veículos impressos os desafios da era digital já não são tão novos. Há pelo menos 10 anos já se previa o grande impacto que a internet provocaria nos negócios tradicionais de mídia. Algumas previsões foram até mesmo exageradas, como a de Bill Gates que previu o fim dos jornais. Pelas suas previsões da época, eles não existiriam mais.

No Brasil, os primeiros anos do milênio foram marcados por um pessimismo geral entre os executivos do setor. A questão era mal colocada. Por exemplo, o jornal ou a revista versus a internet. Nas reuniões, nos congressos e nos bastidores das empresas, a internet surgia como uma grande ameaça. O que fazer? Como fazer com que o papel resista a esta nova realidade?

Demorou um pouco para que os jornais e revistas lembrassem que o seu core business é outro. Parece consenso hoje, que o negócio destas empresas é conteúdo e credibilidade. Eu acrescentaria ainda: relacionamento com os seus leitores. Isto pode ser válido para todos os negócios, mas ganha importância ainda maior em jornais e revistas, onde não é incomum assinantes de vinte, trinta ou mais anos de carteira. Troca-se com facilidade de rádio, mas quem já mudou de cidade sabe o quanto é difícil trocar de jornal, por exemplo. Assim, resumindo, o business é news, credibilidade e relacionamento. Parece óbvio, mas os veículos demoraram a se assumir como tal.

Auto-percepções simples podem ser profundas e até revolucionárias na vida das pessoas. Vale também para as empresas. É o que acontece com o que no marketing se chama posicionamento. Definir a abrangência do negócio é um passo importante (o velho exemplo da empresa ferroviária no final do século XIX que não se percebeu como uma empresa de transportes, e que por isso não atentou quanto ao mundo de oportunidades que surgiam).

O segundo passo pode ser assumir uma personalidade, que no caso dos veículos, vai muito além da vontade dos acionistas ou de quem o dirige. Há o que se pretende ser, o que realmente se é e ainda como se é percebido. É preciso que todos os envolvidos, e não apenas quem escreve, saiba para onde se está indo e esteja comprometido com isso.

Uma escolha, uma estratégia, define a direção e é capaz de transformar o pessimismo em otimismo. Isto está acontecendo em várias empresas de comunicação. As mangas das camisas estão dobradas e o ritmo de trabalho bem acelerado. Há uma briga legítima pela audiência e um esforço grande em descobrir como fazer dinheiro com ela.

Se o jogo não está ganho, também não está perdido e há uma nova onda de empreendedorismo pairando nas salas de reuniões (onde se discutem os investimentos ) e nas redações (onde se faz os produtos). É jargão do setor dizer que um representa o Estado e o outro a Igreja (nunca soube quem representa quem), e que ambos não se misturam. A regra de ouro continua valendo mais do que nunca, e mais do que sempre os dois se fazem necessários, um ao outro, de forma independente. Também no novo mundo, o jogo começa a ser definido pela audiência, de acordo com o perfil e objetivo de cada veículo. É preciso mais do que isso. Novos modelos de negócio estão surgindo e precisarão ser criados. É preciso o Estado e é preciso a Igreja.

(Fevereiro, 2011)