Para o bem ou para o mal, consumidores continuam sendo pessoas

Nas costumeiras reuniões nos veículos e nas agências é comum ouvir expressões do tipo: “na internet é diferente”, “isso não funciona no digital”, “nas redes sociais não é isto que importa”, “o consumidor na internet tem uma lógica diferente”. Por mais que partam de pessoas competentes e bem intencionadas, recebo estas afirmações com muita desconfiança. Tenho sempre a sensação de que, por detrás desta crença, há uma certa arrogância involuntária, de quem pensa que domina algo acessível a apenas alguns poucos eleitos, como os pajés das tribos indígenas, também eles detentores de linguajar próprio e deuses inacessíveis. Expressões como estas são também uma forma educada de mandar o outro calar a boca, uma vez que o assunto não é de seu domínio, provavelmente uma pessoa, que como eu e outros sobreviventes, nasceu mais próximo de meados do século passado do que do final dele, e que por isso, estaria condenada à classificação de analógica, pelo menos até a próxima encarnação.

Pode ser que não soe bem o que vou dizer e que nem sirva para vender novos seminários, livros, revistas ou projetos, isto tudo do que nós profissionais do setor de mídia e de consultoria vivemos, qualquer que seja o lugar da cadeia em que nos encontremos. Talvez seja mesmo fruto deste defeito incorrigível de já ter vivido várias décadas de transformações auto-anunciadas, mas a verdade é que certas coisas não são tão diferentes assim. A começar pelo fato das pessoas continuarem sendo seres humanos, com todas as características próprias da espécie. Posso mesmo afirmar, com o risco de estar cometendo uma blasfêmia, que pessoas não são digitais. São de carne, osso, um pouco de racionalidade e uma grande intensidade de emoções. Seres humanos são espíritos, mesmo que isto possa significar coisas diferentes para cada um de nós. Há aspectos genéticos, culturais e até hormonais que fazem com que homens, mulheres, jovens, velhos e crianças sejam como são. A tecnologia que tantas mudanças provocou em nossas vidas, em todos os tempos, não é capaz (nem se propõe) a mudar o que somos. Continuamos assim a ter sentimentos, sensações e reações semelhantes ao que tínhamos antes da era digital. Como consumidores de produtos, serviços, informações ou entretenimento, ainda somos os mesmos, como diria Belchior, como nossos pais. Somos impulsionados por atributos intangíveis, atribuímos valor às marcas, seguimos uma certa lógica (ou ilógica), de acordo com as nossas origens, histórias e idiossincrasias próprias ou coletivas. Para alguns, sexo, poder e fama continuam sendo campeões de audiência. Para outros, amor, família e luta por valores e ideais. Para a maioria, uma mistura de tudo isto, bem embaralhada. Não existe este negócio de “na internet é diferente”. Continuamos gente, com tudo que isso implica de bom ou de ruim.

(Julho, 2011)